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Gémeos de signo. Adoro animais, escrever, fotografia, entre muitas outras coisas mais. Adoro tatuagens. Plant Based. Activista. Aqui falo do que gosto, de como penso, de como sou, de como vejo o mundo e o meu espaço. Acompanha-me.
O Lourenço tinha uma personalidade forte. Uma pessoa de ideias vincadas. O Lourenço estava decidido. Mas, haveria volta a dar? Fiquei espantado, receoso, fiquei atormentado com a abordagem dele. E veio ter comigo apenas, com a mãe, para me conhecerem! O Lourenço foi uma das pessoas que até hoje me deixou mais nervoso e uma das quais mais me levou a ponderar isolar-me do mundo. Mas não aconteceu!
Enquanto tomava café no Alegro de Alfragide, nas já habituais poltronas do Starbucks e onde já me conhecem há vários anos, olho o que me rodeia. Vou intercalando entre o que consumia, as pessoas, e o horizonte que me era possível alcançar. Entre muitas pessoas, reparei em 3 rapazes jovens que se faziam acompanhar de uma senhora, provavelmente na casa dos sessenta.
A senhora, por coincidência, olhou para mim. Parou. Ficou o olhar de uma tal forma que não consegui evitar de também olhar para ela. Rapidamente começou a sorrir. Comentou algo com um dos rapazes. Avançou na minha direção. “Por acaso não é o Cláudio?”, perguntou. Respondi que sim. A alegria notada foi extrema. Isabel, disse-me que me conhecia das redes sociais e que me adorava seguir. Sempre desejou cruzar-se comigo e que não tinha tido oportunidade nunca de ter participado em nada organizado por mim. Enquanto Vegano, promovo algumas coisas relacionadas com o tema, mas não só. Escrevo muito pela internet, sobre veganismo, comédia, testemunhos. Dou o meu exemplo, mostro a minha forma de estar na vida. E a Isabel seguia-me afincadamente. Um dos filhos também. O Lourenço, que gostava de animais e comida vegetariana. Fiquei feliz pela abordagem. Já não é a primeira vez que me o fazem, mas, desta vez, tudo foi diferente.
A Isabel vinha com o Lourenço, o João, e o Ivo. Dois filhos e um amigo dos filhos. E eu, tive oportunidade de conhecer o Lourenço. O Lourenço, ia morrer amanhã. E ninguém sabia. Só ele. E eu fiquei a saber também. Ele confiou-me o segredo. O terrível segredo que me deixou sem dormir uma noite e me valeu alguma medicação para me conseguir acalmar. Mas, já lá vamos...
A Isabel trocou algumas palavras comigo. Não sei se era suposto sentar-se no Starbucks a tomar café, mas sentou-se, na mesa do lado, com os filhos e o amigo do filho. Mas eles, não ficaram muito tempo. Um deles, tomou um café rápido, e levantaram-se os três. A Isabel ficou sozinha. Olhou para mim. Sorriu. Parecia que queria falar comigo de novo. E queria. “Cláudio, gostava de lhe confiar uma coisa”, diz-me. Convidei-a a sentar-se na poltrona que estava na minha frente. Entre alguns soluços, duas ou três lágrimas teimosas e algumas hesitações, acaba por me contar que o Lourenço, o seu filho mais velho, estava a passar por uma grave depressão. Fechava-se em casa, não queria ver o mundo. Para o trazer na rua era complicado. Aquele dia tinha sido uma das excepções em que, o irmão mais novo, o conseguiu demover do espaço conforto. Coisa rara. Tinham acabado de vir de um restaurante vegetariano. Sorriu imenso. Contou-me o que comeram. Contou-me também que no meio do almoço o Lourenço disse gostar imenso da comida e lhe apetecer aprender a cozinhar. Sempre gostou de cozinhar, mas os bloqueios que o assolavam não lhe deixavam levar para a frente um dos sonhos de tempos antigos, ser cozinheiro. Quem sabe ser cozinheiro Vegano? Sorriu. E a Isabel, habituada a ler os meus testemunhos, habituada a ver que eu falava com muitas pessoas, ouvia muitas pessoas, dava conselhos muito pessoais a muitas pessoas, achou que eu, poderia ser uma ajuda para o Lourenço.
Mas como? Como meter o Lourenço na minha frente para ele conversar comigo? Iria ele querer falar com um estranho? Iria ele aceitar palavras de um ser que não lhe era nada? Contar-me aquilo que o atormentava? Iria o Lourenço sequer quererer sentar-se e olhar para mim?
Pois é. Mas tudo isso, aconteceu! Por mais incrível que pareça, e por muitas vezes que eu não consiga encontrar uma explicação para estas coisas, mais uma vez aconteceu.
A Isabel é astuta. Desafia alguns minutos depois os filhos a virem tomar mais alguma coisa antes de se irem embora. Manda uma mensagem ao filho mais novo, o Ivo. E avisa-o de que, vão tomar algo ali, mas, em seguida, ela, vai arranjar um pretexto para se afastar, e também ele e o amigo. E assim foi. A Isabel diz que tem de ir ao multibanco. O Ivo, chama o amigo João para ir com ele ver uma coisa na Fnac, só entre eles. Segredo de amigos. A Isabel diz ao Lourenço para ficar, que não se demora. E lá estávamos os dois frente a frente. Todo este esquema foi tão rápido que quase eu próprio não sabia que tudo aquilo tinha sido uma encenação para colocar alguém em frente a mim. Parece um filme mas não é. Mas podia ser, se podia! E o pior, ainda não tinha chegado!
“Então Lourenço, a tua mãe contou-me que gostas de cozinhar”, digo. O Lourenço responde-me que sim e que tinha estado a comer num restaurante vegetariano, algo que eu já sabia mas fingi não saber. Perguntei-lhe se tinha gostado. Disse-me que sim. Perguntei-lhe porque não se dedicava mais a esse tema, e o Lourenço, respondeu-me, “ando aí com uns problemas, sem vontade”. Ora lá está. Onde eu queria chegar, pensei para mim! Conversamos. Questionei. Atrevi-me. Cerrei os olhos. Voltei a fazer questões. Sorri. Dei asas a que a conversa se tornasse num diálogo de quem se conhece há muito tempo, embora não o fosse. O Lourenço perdeu um amor, perdeu um amigo, o Lourenço meteu na cabeça que não vai ter mais ninguém na vida, o Lourenço teve um pequeno tumor já curado, o Lourenço juntou tudo isto e isolou-se. Este era o seu medicamento para se manter. O isolamento. Vamos lá nós explicar a mente, a nossa incrível mente.
Entretanto um momento de silêncio. Alguns segundos depois, “A solução é esta”, diz-me. Olhei para ele. “Não entendi Lourenço”, respondi-lhe. A solução para tudo é entregar o meu cão a alguém de confiança que tome conta dele. O meu irmão. E acabar com tudo”, explica-me. O Lourenço achou que para todos os problemas a solução era única. Terminar com a vida. E disse-me cara a cara. A um estranho. Mas, tinha um pequeno amor, o seu cão. Teria de entregar o seu pequeno grande amor a alguém e depois podia partir descansado. Estranho. E ao mesmo tempo tão genuíno. “Vou morrer amanhã”, diz. “Vou morrer amanhã Cláudio”, repete. “Vou falar com o meu irmão e vou terminar com tudo”, volta a dizer. Tremi. Fiquei perplexo com o que estava a ouvir. Perguntei-lhe se estava a brincar comigo. Não, não estava. A conversa, pareceu explodir, saída directamente de um vulcão. Afinquei-me mais. Cerrei os olhos nele. Disse-lhe não. O Lourenço tinha de me ouvir. E ouviu. A solução não era aquela para nada. O patudo dele precisava dele, a mãe, o irmão, os amigos, eu, todos nós. Num impulso cheguei-me para a frente e apertei-lhe a mão. Na hora nem pensei que poderia não gostar. Mas ele, não se importou. Trocamos algumas palavras fortes. O Lourenço queria partir mas eu fi-lo ver que todos precisavam dele. Lembro-me que no momento me deu uma quebra de tenção. Recostei-me. Estava a tremer. Parei de tremer alguns minutos depois. Tentei não mostrar que fiquei nervoso. Do nada o Lourenço olha para mim e diz-me, “Gosto do teu piercing”, levantou a mão, e com o dedo indicador tocou-me na ponta do nariz. Rimos. “Vais ganhar coragem e continuar como te pedi?”, perguntei. Acenou com a cabeça que sim. Olhamos alguns segundos um para o outro, olhos nos olhos.
A Isabel volta. Olhou para mim. Olhei para ele. O Lourenço baixou a cabeça. “Bem, vou ter de me ir embora”, expliquei. Ao levantar-me da mesa, tombei um copo com um pouco ainda de água. Pouca. Ignorei. Ignoramos. Despedi-mo-nos. “Está tudo bem”, foram as minhas última palavras para a Isabel.
Passou algum tempo. O Lourenço está bem. Não partiu. O Lourenço é acompanhado por um psicólogo. O irmão do Lourenço, o Ivo, já o consegue levar ao cinema. Eu, vou sabendo notícias dele. Estamos para combinar um almoço. Um dia destes... Lourenço é o nome verdadeiro dele. Ivo também. Isabel é um nome fictício. A “Isabel” deixou-me escrever esta história, mas pediu-me para lhe mudar o nome! Claro que sim. Nas noites seguintes dormi mal. Tomei alguns calmantes. Perdi um amigo que se suicidou e que estava longe de mim. Mas consegui que o Lourenço “não morresse amanhã”! Bem... Será mesmo que fui eu que consegui? Ou terá sido tudo fruto da coragem dele? Ou fomos os dois? Estou bem.
Há, já agora, o Lourenço vai fazer um piercing igual ao meu. Não, o Lourenço, “não vai morrer amanhã”.
Cláudio da Silva
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